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"Quando vier a primavera, se eu já estiver morto, as flores florirão da mesma maneira, e as árvores não serão menos verdes que na primavera passada. A realidade não precisa de mim."
Fernando Pessoa, nesses versos, relembra que somos mortais. Partiremos um dia, sem que possamos saber como, nem quando. Segundo o poeta lusitano, a nossa morte não terá nenhuma importância, pois a realidade dispensa a nossa existência.
Antigamente, a morte não era temida, sendo acompanhada de perto pela família, inclusive assistida pelas crianças na fase formativa de suas personalidades. Hoje, ela deixou de ser um acontecimento natural, tornou-se um fato distante sobre o qual tentamos nem mencionar ou mesmo pensar. No entanto, ela é o nosso futuro mais certeiro e exato.
Se planejamos nossos dias e cotidiano, sem sequer saber se vamos vivê-lo efetivamente, por que temos tanta dificuldade de planejar nosso derradeiro momento?
A terminalidade da vida nos origina desconforto e angústia, mas já que é nosso destino, podemos torná-lo mais leve, tanto para nós mesmos, quanto também para aqueles que assistirão a nossa morte e para quem ela trará sofrimento.
Isso é possível através de um testamento, não o que destina o patrimônio aos herdeiros, mas uma declaração diretiva antecipada de nossa vontade, para quando não mais pudermos manifestá-la.
Refiro-me ao momento de vulnerabilidade extrema que pode anteceder nossa partida. Ele pode ser planejado racionalmente através de um documento facilitador na tomada das difíceis decisões médicas e familiares.
Podemos deixar orientações sobre cuidados, tratamentos e procedimentos que desejamos ou não nos submeter, quando estivermos fora de possibilidades terapêuticas curativas e impossibilitados de nos comunicar. Nesse documento, é possível ainda indicar quem deve tomar as decisões em nosso lugar, na forma de um mandato duradouro. É o chamado "testamento vital".
Ainda que no Brasil não exista lei vigente sobre tal tema, essa manifestação é possível através de uma declaração diretiva de vontade antecipada, que pode ser realizada por instrumento público ou particular, desde que seja reconhecida a autenticidade.
O Conselho Federal de Medicina prevê a eficácia dessa declaração, até mesmo em registro no prontuário médico. É o empoderamento dos doentes, reforçando o exercício do seu legítimo direito à autodeterminação em matéria de cuidados de saúde.
Negar esse direito ou mesmo não observar essa vontade é desrespeitar a própria dignidade humana. Se não podemos escolher quando ou como nascemos, certamente podemos determinar que a nossa morte seja menos sofrível e traga o menor desconforto possível a todos, como uma verdadeira prova de amor para nossa própria família.
Com o testamento vital, estaremos tirando de nossos afetos a responsabilidade da derradeira decisão, tornando nossa partida final mais suave e digna. Como disse o poeta, "partiremos contentes, porque, apesar da nossa morte, a primavera ainda virá e dentro do seu tempo".